quinta-feira, 22 de abril de 2010

PASSAGENS DE UM EX-JUDOCA (II): UM SEMPAI NÃO ERA SEQUER KOHAI

PASSAGENS DE UM EX-JUDOCA (II): UM SEMPAI NÃO ERA SEQUER KOHAI
Como bem nos coloca o professor Paulo Duarte em seu texto provocativo quanto às responsabilidades de um verdadeiro “Sempai”, a questão é exatamente estar pronto para ouvir e orientar nossos semelhantes quanto aos caminhos a seguir, essencialmente os éticos.Não foi bem assim que alguns de meus “superiores” (eles assim se achavam por ostentar faixas com um ou mais graus superiores aos meus, interpretavam esta relação. Calcavam suas relações no modelo equivocado também lembrado pelo professor Paulo Duarte, o autoritarismo irresponsável.Certa feita, quando tínhamos acabado de retornar de um estágio no Japão, encaminhado pela Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo e não pela prática do Judô ou em busca de aperfeiçoamento nesta prática esportiva (elucidamos em um futuro texto esta afirmação), recebemos o nobre convite para participar da equipe de organização de um encontro esportivo entre membros da Universidade Japonesa e atletas brasileiros “especialmente selecionados”. Naquela época, muitos hão de se lembrar, participar da competição esportiva implicava em estar presente quando do cumprimento inicial entre todos os que iriam disputar uma determinada categoria (mais anteriormente ainda, desde o início do dia de competição). Fora, então assim definido pelos presentes quanto à participação de atletas brasileiros e certos nomes, que hoje prefiro não mencionar, foram colocados como de importância e outros, “os menos importantes” ficariam na reserva até o início do encontro. Pois bem, tem início o evento, faz-se os cumprimentos (objetivos claramente apresentados no texto do professor Paulo Duarte) e é liberada a área de luta para início dos encontros.Da relação de atletas que deveria estar presente constavam alguns nomes, famosos e “importantes representantes do Judô Brasileiro da época”, mas que não estavam presentes no início do encontro. Obviamente, para compor o quadro brasileiro lá estavam os “segundos e terceiros” da lista cumprindo fielmente o determinado. Assim era, respeito ao horário, aos adversários, ao espaço, aos professores, ao público e, enfim, aos preceitos éticos indispensáveis em qualquer atividade humana.Para nosso espanto, muito tempo passado, chega ao Ginásio Poliesportivo do Pacaembu uma das “referências nacionais” do judô (atrasado, ainda sem o quimono e sem qualquer pressa) e, imediatamente, aquele que seria o meu Sempai retira do tatame o “substituto”, faz a alteração do nome nas súmulas.Como éramos membros da comissão organizadora, educadamente e sem chamar a atenção dos presentes, procuramos aos demais membros da referida comissão para questionar a atitude (diga-se de passagem, todos membros da Federação Paulista de Judô da época).Nesse instante, o mais “sempai” de todos os presentes, pelo menos assim era visto pela maioria dos presentes me responde: _ “Eles precisam ver o que temos de melhor no Brasil. Assim, tirei fulano e coloquei fulano de tal”.Ao questioná-lo sobre os conceitos que vimos ser desenvolvidos e respeitados em nossa vida de judoca (lembram-se, na Lapa Judô Clube), dentre eles a observância dos rituais, respeito ao ambiente, pessoas, parceiros e demais já citados, tivemos a resposta. “Isso não vale aqui hoje, o que é preciso é demonstrar nossa força e nossos melhores judocas”. Perguntei quanto ao respeito àqueles que cumpriram todos os conceitos e foram excluídos por quem não os respeitou. “São mais fracos mesmo, não deveriam sequer estar aqui”.Imediatamente, procurei o responsável geral pelo evento, um dos professores da Universidade Japonesa, a mesma onde havia realizado meu estágio, entreguei minha identificação como membro da organização e me retirei do recinto, deixando muito claro o motivo de nosso afastamento. Afirmei que não faz parte de meu comportamento tal atitude e não me considerava mais, em função do pactuado anteriormente e desrespeitado, membro daquela organização brasileira.Dias após, já em meu posto de trabalho na Universidade de São Paulo, fui procurado pelo representante da Universidade japonesa que nos informou que o seu Reitor, após tomar conhecimento de minha atitude, se bem que apenas ao final do evento, aprovou minha decisão. Um Reitor com olhares para a necessidade de comportamentos éticos e não com casuísmos ou valores equivocados como os do meu suposto “sempai”.Demonstra-se claramente que o que estamos compreendendo por “sempai” não se coaduna com a maior parte das atitudes que vemos, hoje, apresentadas por portadores de faixas de nível superior. A faixa ou os títulos, seus ou de seus atletas, não são referencial para que se atribua o título de Sempai a qualquer cidadão. Há um abismo entre esta compreensão, pobre e desprovida de significados, e o que realmente é ser um Sempai. Sem falar nos que “adquirem” suas faixas.Aquele que se considerava um Sempai não sabia, sequer, o significado de ser um Kohai.Daniel Carreira

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